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O dia começa com uma única preocupação para ela: de que nós iremos brincar primeiro, papai? Bem, na verdade, não precisa muito para que alguma situação se torne motivo de boas risadas. Ainda na cama, o amigo Castor surge debaixo das cobertas para dizer bom dia. O Castor se tornou o preferido dela nas últimas semanas, ele é fofinho e sua grande língua de pelúcia deu ideia para uma brincadeira muito divertida. O Castor acorda lambendo a gente no rosto e mesmo sendo alertado de que não pode fazer isso, por causa do coronavírus, ele não para. É um teimoso mesmo, segue nos lambendo, segue nos fazendo rir logo cedo.
Além do Castor, outro amigo muito divertido que temos é o cavalo de madeira, presente do "tio Sid''. Na mesa do café, enquanto cantamos a música do pão quentinho, preparamos a palha que foi retirada da cesta de Páscoa, para alimentar o cavalo. ''Toma, cavalo, come a sua palha porque você precisa de energia para brincar o dia todo''. O cavalo é feito de madeira, mas tem a cabeça de pelúcia, isso faz com que a palha grude no elo dele. "Cavalo, sua boca está toda suja, deixa que eu vou limpar pra você''. Semana passada o cavalo estava de aniversário, já perdi as contas de quantos anos ele completou em poucos meses. Para presentear o cavalo, Clara fez um desenho em que ambos estão juntos, coloridamente brincando. Ele adorou e entre um relincho e outro cantamos parabéns e comemos palha, muita palha.
Hora de escovar os dentes. "Bom dia, escova, você dormiu bem?'' Sim, responde a escova, enquanto vai acordando também a pasta de dentes para cumprirem o trabalho diário de higiene. Escova um, escova dois, os da frente e também os que moram lá nos fundos. Para enxaguar a boca estamos aprendendo a fazer "copinho'' com as próprias mãos. Dentes limpinhos e quando vejo ela está no corredor, em cima da bicicleta e pronta para ganhar o pátio, pronta para ganhar o mundo. É cedo ainda e faz frio, quem sabe você olha um pouco de desenho antes de brincar lá fora? Tá bem, papai. O Castor preguiçoso ainda está deitado, ele ajuda a escolher o desenho. Nem sempre eu consigo ficar junto porque, enfim, tarefas da vida adulta me chamam. Mas quando eu fico para o desenho, ela faz questão de escolher o Ben e Holly, porque sabe que eu adoro um personagem chamado Duende Ancião Sábio. Ele é irreverente e muito querido. Tem um episódio em que ele descobriu que tinha um irmão gêmeo, que se considerava mais sábio do que ele, pois havia nascido um minuto antes. "Eu sou mais ancião e, portanto, mais sábio do que você''. Enquanto eles divergem sobre isso nós rimos dessa discussão tão elementar. Outro desenho que eu gostava muito era o Mundo Bita. Apesar de este não fazer mais parte dos preferidos por aqui, eu sigo com as músicas na cabeça até hoje.
Vou para o escritório estudar, logo a Clara chega e diz que está cansada de ver desenho. Não precisou muito, cerca de 30 minutos se passaram. O convite que me chega é para brincar de boneca, eu topo. Cresci ouvindo que menino não pode brincar de boneca, eu fico muito indignado com isso. Se tivessem me deixado brincar de boneca quando era pequeno, eu teria aprendido tantas coisas como, por exemplo, pentear o cabelo de uma menina. As bonecas divertem por alguns minutos, agora sim, hora de brincar lá fora. Um universo de possibilidades. Pega a bicicleta, chuta a bola, banquete de terra com folhas de laranjeira e pétalas de flores.
Dia desses, a vovó descobriu que não eram as formigas que estavam comendo as folhagens, éramos nós. Na casinha de madeira, chama o Castor e os outros amigos para brincar. Logo chega a Isadora, amiga "de verdade'' que mora ao lado de casa. Duas crianças juntas, pronto, as ideias de brincadeiras se multiplicam e eu fico observando e aprendendo. É tão bonito ver a facilidade com que elas transformam um simples pedaço de madeira em um foguete espacial. Talvez, foi justamente por um dia se permitir imaginar que um objeto qualquer poderia flutuar no céu, que o ser humano criou tanta coisa incrível. Dia desses, a Clara andava de bicicleta e chamei-a para amarrar os tênis. Sentada na cadeira, ela disse: "rápido, rápido, papai, o tempo de brincar vai acabar''. Falei que ela poderia ficar tranquila, pois o tempo de brincar nunca irá acabar. Se tornar adulto e desenvolver maturidade não significa abandonar a capacidade de brincar. Este é mais um dos grandes aprendizados que a vida paterna me trouxe.